segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Texto Nonsense - Lólo o jiló


Naquela horta produtiva, vivia uma família de jilós muito feliz. E entre eles estava o caçula, Loló, um jiló muito arteiro. Ele vivia tacando pedra nos morangos, brigava com as batatas e transava com as vagens inocentes. Uma vida e tanto para um simples jiló amargo que mais tarde seria comido com azeite de 5ª categoria, mas Loló queria mais. Seu sonho era deixar de ser um vegetal e virar um ser humano, para assim se tornar um franco-atirador e fuzilar os donos da horta, que volta e meia comiam alguns de seus parentes. Mas como isso era impossível, ele resolveu dedicar-se a descobrir uma forma de deter os malditos humanos que mais cedo ou mais tarde o engoliriam.
Loló decidiu então consultar o Cebolão, um vegetal ancião da horta que acreditava-se ter poderes paranormais. E começaram seu diálogo:
-Fala, seu Cebolão! Preciso muito da sua ajuda!
-O que foi, jilozinho? Você está doente?
-Não, eu preciso me vingar dos humanos!
-Mas como isso é possível? Um jiló tão novinho, com tanto ódio no coração...
-Aqueles cornos que ficam comendo o pessoal lá de casa!
-É a tal da cadeia alimentar, caro jilozinho...
-OK, e como é que ninguém comeu o senhor ainda?
-Sabe pequeno jiló, existem certos vegetais que são escolhidos por Deus para serem seus representantes nas hortas terrenas, e eu sou um deles. Os humanos da casa podem até ter vontade de me comer, mas não o fazem por saberem, mesmo que inconscientemente, que sou um vegetal divino.
-Não entendi nada do que o senhor falou. O que eu quero mesmo saber é se tem como o senhor me ajudar a matar aqueles humanos!
-Pequeno jiló, você não pode simplesmente dar um fim nos humanos. Afinal, são eles que nos regam, são eles que adubam nosso solo, nós somos dependentes deles.
-Muito legal, eles cuidam da nossa casa, e quando a gente menos espera, eles nos enfiam o garfo, é isso?
-Bem, é a cadeia alimentar...
-Tá bom então, Cebolão. Já que não posso matá-los, o que eu faço para que eles não comam minha família?
-Jilozinho, dar-te-ei o poder de não ser comido, a menos que mantenha o segredo entre a sua família.
-Demorou, Cebolão, deixa comigo!
-Então, a partir de hoje, todos os jilós dessa horta terão o poder de se comunicar com os humanos! Sempre que um deles tentar arrancar um membro da sua família, basta que ele grite para que o humano fique com medo e não o coma.
-Valeu, Cebolão, te devo uma!
Loló voltou todo feliz para dar a notícia em casa, mas algo horrível aconteceu: enquanto o pequeno jiló foi conversar com Cebolão, a dona da casa fez a limpa na horta, e pegou todos os jilós para fazer uma salada. Loló ficou perplexo, chocado com o ocorrido. Sua mãe, seu pai, seus irmãos, todos estavam condenados a apodrecerem no estômago dos donos da horta. Com uma fúria descomunal, o jilozinho prometeu vingar-se. E foi neste dia que a guerra começou.
O filho do casal, uma criança de seis anos, brincava no jardim, quando avistou Loló. Então, o moleque gritou:
-Mamãe! Mamãe! Achei um jiló na nossa hortinha! Posso brincar com ele?
-Pode sim, meu filho! Só não coloca ele na boca!
Loló não estava com medo, pois já tinha um plano na cabeça. Deixou que o menino o pegasse e o jogasse para o alto como se fosse uma bola. Após alguns minutos, a criança perdeu o interesse em Loló, e o jogou no chão. Foi então que Loló gritou:
-Ô moleque, não me joga aqui não!
O menino arregalou os olhos e olhou mais de perto para Loló, que continuou:
-Ei, eu gosto de você, vamos ser amiguinhos!
-Puxa, você fala?!
Mesmo morrendo de vontade de xingar o moleque, o jilozinho fingiu ser bonzinho:
-Sim! Quer ser meu amiguinho?
-Oba, eu quero sim!
-Legal! Então me leva pro seu quarto!
-Tá bom, vamos lá!
O menino pegou Loló na mão e saiu correndo pra dentro de casa, quando avistou sua mãe:
-Olha mamãe! Eu tenho um jiló que fala!
-Claro que tem, meu filho!
-Eu vou lá no quarto brincar com meu jiló, mamãe!
-Tá filho, vai lá conversar com ele...
O menino subiu as escadas e entrou no quarto. Longe do alcance da mãe do menino, Loló começou a por seu plano em prática:
-Qual seu nome, menino?
-Luiz! E o seu?
-Capeta!
-Oba, vamos ser muito amigos, né Capeta?
-É sim! Poxa Luiz, que dentes bonitos você tem!
-Obrigado!
-Posso ver eles mais de perto?
-Pode sim! Vem aqui na minha boca!
-Mas você não vai me comer?
-Não, você é meu amiguinho!
Já dentro da boca do menino, Loló propositalmente escorrega e entala na garganta do menino, que começa a ficar sem ar. Desesperado, o menino sai correndo pra encontrar sua mãe. Já sem forças e quase desmaiando, a mãe encontra Luiz, e fica chocada:
-Filho! Filho! O que houve?! O que você tá sentindo?!
-Mãe... foi... foi...
-Fala meu filho!!!
-Foi o... ca... capeta!
-Deus, não fale isso meu filho!
-Capeta... ca...
Nisso o moleque desmaia por falta de ar. No momento em que a mãe corre desesperada para telefonar para o hospital, Loló sai da garganta do menino e se esconde. A ambulância chega, e Luiz recebe os atendimentos médicos. Logo ele volta a respirar, mas está em estado de choque. A mãe larga a casa do jeito que estava e vai ao hospital junto com o filho. Esta era a oportunidade da que Loló estava precisando. Enquanto não havia ninguém na casa, ele pegou o batom da mãe de Luiz, e começou a escrever uma frase em todas as paredes.
Algumas horas mais tarde, a mãe volta com o menino do hospital. Pobre moleque, estava tão confuso que havia perdido a voz temporariamente. Na cozinha, a mãe encontra as paredes todas pichadas com a frase "O CAPETA QUER TEU FILHO!". Ela começa a tremer de medo. Estaria seu filho amaldiçoado pelo mal? Na dúvida, ela ligou para a Igreja Universal do Reino de Deus, e ouviu uma gravação:
-Você ligou para o auto-atendimento da Igreja Universal do Reino de Deus. Se você deseja saber o endereço de uma das nossas filiais, tecle 1. Se você quer negociar seus dízimos atrasados, tecle 2. Se você está com um encosto na família, tecle 3.
A mulher fica admirada com a tecnologia e aperta o número 3.
-Se o encosto está em você, tecle 1. Se o encosto está em seu marido, tecle 2. Se o encosto está na sua casa inteira, tecle 3. Se o encosto está em seu filho, tecle 4.
Ela aperta o 4, feliz da vida.
-Obrigado pela sua cooperação. Aguarde um momento, um de nossos atendentes já irá conversar com você.
A mãe do menino suspira, numa mistura de alívio e preocupação. Nisso, uma voz fala no telefone:
-Pastor Bengué na linha. Bom dia, com quem falo?
-Maria.
-Ô Maria, teu filho tá com encosto? Me conta o que tá acontecendo...
-Pastor, ele tava no quarto, daí desceu as escadas correndo, todo sufocado, falou que "Foi o capeta", e logo depois desmaiou!
-É Maria, isso é encosto.
-Ai Pastor, o que eu faço agora? O menino já tá bem, mas agora não consegue nem falar!
-Calma Maria, a gente tem solução pra tudo. Escuta, você usa cartão de crédito ou talão de cheques?
-Como assim?! Vocês vão cobrar para curar meu filho?!
-Maria, Maria! Ninguém nunca te ensinou que o dinheiro é apenas uma coisa mundana? Dinheiro traz infelicidade, e infelicidade atrai coisas ruins na sua vida. Agora a escolha é sua Maria, você quer ficar com o dinheiro do mal ou quer ver seu filho curado?
-Ai, Pastor, é claro que quero ter meu filho curado!
-Ótima escolha, Maria! Só um minutinho que vou repassar a ligação para minha secretária...
Maria, que só queria o bem do seu filho, deu o número do cartão de crédito e conseguiu marcar uma consulta com o Pastor Bengué. A mulher novamente saiu de casa e levou seu filho para a sessão do descarrego, deixando Loló livre para zoar ainda mais com a cara da mulher que acabou com sua família. Loló aproveitou seu dom para fazer bagunça, e mexeu na casa toda: sumiu com as jóias, abriu todas as torneiras, fez sexo com as batatas e derrubou a geladeira no chão. E como se não bastasse, pichou as paredes dos quartos com a mesma frase: "O CAPETA ESTÁ NESTA CASA".
Enquanto isso, lá na sessão do descarrego, Luiz não recuperava a voz por nada. O pastor já estava ficando revoltado, e então puxou o menino para um canto. "Não se preocupe senhora, eu vou conversar com o encosto, mas a senhora não pode ouvir", ele falou. Então, muito delicadamente, ele agarrou o menino pelo pescoço e falou:
-Escuta aqui moleque, se tu não falar alguma coisa eu vou te enfiar o cassete!
O moleque só arregalou os olhos, que encheram-se de lágrimas. Então o pastor completou:
-Mas se você falar, eu te dou esse chocolate!
-Oba, chocolate!
O menino saiu correndo gritando pela mãe, que ficou emocionada com o milagre realizado pelo pastor.
-Pastor Bengué, não sei como lhe agradecer...
-Tudo bem senhora, sua doação já foi bem generosa. Agora vocês já podem ir, em ritmo de festa! Riiiitmooooo, é ritmo de festaaaaa...
-Aleluia pastor, aleluia!
Feliz da vida, Maria volta com Luiz pra casa, e então encontra a casa toda alagada e toda revirada. "Fomos assaltados!", ela gritou. Aflita, subiu as escadas para ver se o "ladrão" havia levado suas jóias. E então ela encontra frases pichadas na parede novamente. Maria não agüenta e cai desfalecida no chão. O menino ouve o barulho e vai de encontro à mãe, caída perto da cama.
-Mamãe, mamãe! Acorda mamãe!
-Ela está desmaiada.
-Quem... quem falou?!
-Eu, aqui embaixo!
Luiz olha e encontra Loló.
-Ahhhhhhh! Mamãe, olha mamãe, é o Capeta!
-Calma amiguinho, deixa eu ajudar sua mamãe!
-Você não vai sufocar ela como fez comigo?
-Não, foi um acidente, eu escorreguei na sua garganta! Me desculpa, amiguinho!
-Tá bom... agora ajuda minha mamãe!
Loló queria era acabar com a decência daquela família, e resolveu abusar sexualmente da mãe de Luiz. Entrou dentro da calcinha dela e mandou ver. Exausto e com um sorriso na cara, Loló saiu de lá todo feliz. Ao mesmo tempo, Maria começa a acordar...
-Ai minha cabeça... Luiz, você tá bem?! O que aconteceu?!
-Você caiu, mamãe!
-Deus... e acabei fazendo xixi na calcinha, estou toda molhada...
-Mamãe! Olha mamãe! Achei o meu amigo, o Capeta!
-Luiz!! Não fale esta palavra!!!
-Calma mamãe! Olha aqui na minha mão, esse é o Capeta!
A mulher olha para o jiló e teme pela saúde mental de seu filho. Mas logo ela parou de pensar nisso, pois Loló começou a falar:
-Sua vadia...
A mulher olha e não consegue acreditar que está vendo um jiló falante.
-Mulher desgraçada, tu comeu toda minha família!
-Socorro!!!! Socorro!!!
-Grita mulher, pode gritar! Agora tu tá na minha mão...
-Deus, me ajude! O demônio está neste jiló!
-Que demônio o quê, mulher! Eu inventei essa história de Capeta pra enganar esse idiota do teu filho!
O menino, abalado com os gritos de Loló, começa a chorar. O pequeno jilozinho se irrita:
-Cala a boca, moleque desgraçado, senão eu te mato de verdade!
Maria, dominada pelo medo, fecha os olhos e começa a perguntar:
-Pare! Diga, o que você quer para sumir da nossa vida? Dinheiro?
-Eu queria era que tua família não tivesse comido todos os meus parentes! Nós éramos uma família de 12 quando eu nasci. Mas aos poucos, vocês foram comendo todos, e agora restou apenas eu, que ganhei o poder de falar com humanos, que foi gentilmente cedido pelo Cebolão, o nosso guia espiritual da horta!
-Eu juro que não era minha intenção acabar com sua família! Nós apenas sentíamos fome e...
-É a maldita da cadeia alimentar, já me falaram sobre isso! Mas agora não quero ouvir desculpas, vocês vão pagar pelo que fizeram!
-Eu vou ligar para o Pastor Bengué, ele vai me ajudar!
-Pastor... escuta aqui, mulher! É melhor você acreditar num jiló falante do que num pastor da Universal, eu pelo menos não quero teu dinheiro!
-E o que você quer?
-Quero regalias, quero ser tratado como um membro desta família!
-Mas...
-Ou eu viro um membro da família ou o moleque morre!!
-Você não tem como matar meu filho, você é um simples jiló!
Loló fica enraivecido com o desdém da mulher, e pula na boca de Luiz, que novamente começa a ficar sem ar. A mãe, desesperada, grita:
-Pare Senhor jiló, pare! Eu farei o que você quiser!
Loló sai da garganta do menino e dá suas ordens:
-A primeira coisa que você vai fazer é fazer uma horta aqui dentro de casa. Quero ver a maior comunidade de jilós da vizinhança.
-Olha, eu acho que...
-Tu não tem que achar nada! A partir de hoje você está sob meu comando! Se não me obedecer, teu filho morre!
-Sim, perdão...
E após uma semana de mandato, a casa da família estava transformada em algo completamente inesperado. Centenas de jilós estavam morando lá dentro, era um verdadeiro horto. Havia festa todos os dias, até mesmo o Cebolão, o velho da horta do jardim, ia lá tomar uns drinques. Luiz e sua mãe estavam ficando alienados, afinal, não podiam sair de casa e estavam sendo dominados por um jiló amargo.
O tempo foi passando, e após uns três meses do ocorrido Maria notou que havia algo estranho com ela. Ela sentia vontade de vomitar, cansava-se facilmente, e tinha um inchaço na região pélvica. Loló sabia o que era, e começou a gritar:
-Maria, sua vadia! Você está grávida, eu serei pai!
-Mas meu Senhor, nós nunca... você sabe!
-Mulher burra... nós já transamos, mas isso não lhe interessa! O que importa é que finalmente eu poderei constituir família!
Após ouvir essa revelação, Maria nunca mais foi a mesma. Andava se escorando pelas paredes da casa, e nunca mais falou palavra alguma. Dormia muito pouco, parecia mais um zumbi que uma mulher saudável que gostava de comer jiló. Após 6 meses de gravidez, Maria entrou em trabalho de parto. Loló, muito apreensivo, ordenou que Luiz ajudasse sua mãe a parir seu irmãozinho. Como já estava maluco mesmo, Luiz tirou a roupa da mãe e começou a pular na barriga dela. Loló não se continha de tanta emoção, queria logo ver a cara de seu filhinho. Após algumas horas, Maria expeliu a placenta, e dentro dela podia se ver algo verde: era mesmo o filho de Loló! A horta estava reunida dentro de casa para aquele momento mágico. Cenouras traziam fraldas, tomates levavam roupinhas, batatas rezavam pela saúde do neném. Loló ordenou Luiz que tirasse o bebezinho da placenta. E lá foi Luiz, enfiando a mão no meio daquela gosma sangrenta. Então o menino agarrou o bebê-jiló, envolveu-o em sua mão e deu aquela mordida, cortando-o ao meio. Loló começou a tremer e caiu desmaiado. Indignados com a atitude de Luiz, os vegetais pularam em cima dele, e começaram a comê-lo vivo. O menino gritava de dor, mas nada poderia salvá-lo das centenas de jilós canibais que arrancavam sua carne. Maria, mesmo sangrando, levantou-se e começou a gritar e chutar os vegetais que comiam seu filho. A casa, até então uma horta pacífica, havia se transformado num verdadeiro inferno. Assistindo aquele pandemônio, Cebolão, o vegetal divino, não pensou duas vezes: descascou-se e matou todos com seu fedor insuportável. Após esta atitude benigna, Cebolão foi beatificado pelo Vaticano e hoje é conhecido como Santo Cebolão, o primeiro santo do reino vegetal.


ps.: compensou ler até o final não? 


O blog de onde tirei o incrível merecedor de um Pulitzer é esse: soumongol.blogspot.com

Um comentário: